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Campo de Tiro (4)
80cm x 80cm
óleo s/ linho

Campo de Tiro (5)
80cm x 80cm
óleo s/ linho

Espaço Interior (2)
8cm x 14cm
óleo s/ linho

Espaço Interior (6)
14cm x 14cm
óleo s/ linho

Memória Infantil (4)
71cm x 41cm
Carvão vegetal e pastel s/ papel

Memória Infantil (5)
71cm x 48cm
Carvão vegetal e pastel s/ papel

Atiro na Paisagem

 

O pintor é o lugar de interceção entre a história da pintura, e aquilo que nos dias de hoje, a partir da sua perspetiva pessoal, impera que seja fixado no presente, para continuar a reverberar no desconhecido abismo do futuro. Assim sendo, e detendo-me objetivamente na interação com o legado histórico, a utilização por parte de um artista, da gramática, dos recursos técnicos, simbólicos e expressivos da pintura, resulta num gesto amplo, que extravasando largamente o suporte intervencionado, contemplando a totalidade da história da arte.

      De forma mais ou menos consciente e objetiva, o pintor depara-se sempre com a necessidade de se posicionar de forma crítica relativamente a todo o desenvolvimento histórico da arte. É neste exercício crítico, do qual fazem parte a aprendizagem, a análise, a compreensão e a argumentação, que uma vez combinadas as conclusões que dai advêm, com a mundividência do artista, começa ganhar sentido, um discurso pictórico próprio.

       O trabalho de Alexandre Coxo em contraposição com a quietude das paisagens que nos apresenta, movimenta-se com grande rapidez e agilidade, no interior de uma grande série de questões fundamentais, não só da pintura, mas das diretrizes que esta nos foi dando para olhamos o mundo, ou lhe devolvermos esse olhar em imagem.

      Esta constante deslocação de interesses e atenções, é em Alexandre Coxo, motivada essencialmente por duas características suas: uma estrema curiosidade/fascínio pelo exercício da pintura e do desenho, bem como por aquilo que estas duas disciplinas têm capacidade de despertam no espectador; e uma humilde e permanente disposição para aprender/concluir, assente num grande respeito pelas práticas artísticas e pela história que as mesmas trilharam até aos nossos dias.

      

A série CAMPO DE TIRO sugere uma interessante reflecção sobre a perspetiva, e o lugar desta, como sistema destinado a dar continuidade e unidade de leitura á imagem; a conferir verossimilhança a uma figuração; e a constituir um sistema de leitura e tradução do mundo real.

      Relativamente à sua função de elemento unitivo daquilo que se pretende representar, vemos que nestes trabalhos, a perspetiva é um elemento de conflito e fratura da imagem. Quando o olho está convencido que chegará ao plano mais distante da imagem, apoiado nas guias que lhe foram propositadamente acentuadas no primeiro plano do quadro, é obrigado a saltar para umas outras, igualmente destacadas, mas com uma direção diversa.

       Na questão da verossimilhança, o uso de perspetiva na paisagem, é aplicada de tal forma que somos levados a acreditar na possibilidade de tal paisagem existir, ou pelo menos somos capazes de identificar características de realidade nessa figuração. Contudo o espaço representado e tudo aquilo que o compõem, é uma construção ficcional, que só se torna animada, pela aplicação da perspetiva.  Surge então a perspetiva, não como uma forma de precisão e “verdade”, mas como uma ferramenta de ficção e de “mentira”.

       Por fim deparamo-nos com a grande inversão. A perspetiva que tem como função ordenar a tradução/representação do mundo real e visível, demite-se do papel de tradutor/narrador e passa a desempenhar o papel de autor e ator do mundo. A única razão de existência destas paisagens, desde a disposição das suas árvores, ao espaço que vemos até à linha do horizonte, corresponde somente aos caprichos da perspetiva, previamente determinados pelo artista.

 

 

Na série EI ou ESPAÇO INTERIOR interpelados por uma nova questão, que na sua formulação, faz coincidir no mesmo momento da imagem, a sugestão da figuração mais fiel/real e o desenvolvimento compositivo mais ficcionado/cénico. Estas características evidentemente inscritas nos pressupostos históricos do género pictórico de “natureza morta”, onde objetos de intimidade ou de uso quotidiano, são retratados como elementos de uma composição, ou como atores principais, embora sejam normalmente motivo para se tratar de forma assumida alguns efeitos e possibilidades da pintura.

       Ao mesmo tempo que estas imagens não deixam de ser paisagens, tal como a série anterior, correspondem juntamente com esses trabalhos, a um lugar de género muito especifico e disseminado na história da arte.

     Atendendo ao processo de conceção, o artista cria um cenário com objetos que não só o fascinam simbolicamente, mas que se prestam à exploração de efeitos, como por exemplo os berlindes, tratando-os com uma luz artificial que na maioria das vezes, denuncia a direção do seu foco. Desta forma pode trabalhar, olhar o objeto e traduzi-lo, quando quiser, sem qualquer alteração lumínica e cromática.

      O gozo e a necessidade de observação que identifico em Alexandre Coxo neste tipo de exercícios, lembra-me uma resposta que o artista António Lopes deu um dia a um curioso, que intrigado com as horas que o pintor passa de pé diante de uma paisagem ou de um objeto, lhe perguntou porque razão ele não fazia as suas pinturas (de um realismo mimético e de uma precisão espantosa) a partir de uma fotografia? Ao qual ele respondeu que não o faz porque isso lhe tiraria a coisa mais importante e interessante do processo, que é a relação com o objeto retratado, o tempo de contemplação e o conhecimento daquilo que na composição profunda de determinado objeto e paisagem, revela os mistérios do todo; do universo.

 

Por fim na série M ou MEMÓRIA INFANTIL recorrendo uma vez mais a um género desenvolvido na história da pintura, a do retrato, AC caminha por uma das suas incontornáveis paixões, o desenho.

     Em tom de tributo são evocados rostos de pintores já desaparecidos, que parecem contemplar aquilo que fizeram durante a sua vida sem terem a certeza que nós hoje temos, de que são e continuarão a ser, lugares incontornáveis da nossa história de ver, sentir e pensar.

​

Nuno Malheiro Sarmento (Curador e Galerista)

“Rose is a rose is a rose is a rose.”

Sacred Emily in Gertrude Stein's 'Geography and Plays' (1922) (1)

 

O imaginário na obra de Alexandre Coxo vagueia algures entre o exercício de contemplação e meditação, pautado pela perseverança no domínio da técnica na arte. Não será descabido situá-la algures entre os pressupostos dos mitos de Prometeu e Orfeu, na dualidade entre o fogo roubado aos deuses e o encantamento dos mesmos pela lira.

Os exercícios propostos por Alexandre nesta exposição são, ainda que pessoais, comuns a todos nós. São exercícios onde a libertação se processa tanto pelo roubo do fogo, no que toca à técnica, como pelo encantamento proporcionado pela meditação, alimento que serve para induzir fenómenos cogitativos no espectador.

 Jacob Bronowski diz-nos que “(...) a pintura rupestre é, tal como o instrumento da pedra lascada, uma tentativa de controlar o ambiente ausente e ambos são criados com o mesmo espírito; são exercícios pelos quais o Homem se liberta dos impulsos mecânicos da natureza.” (2)   

A natureza do Homem Contemporâneo é uma natureza de emulações, baseada em pressupostos sociais mais ou menos rígidos, e de significado muito primitivo. É na tentativa de resposta a um objectivo maior que Alexandre nos atira para o seu imaginário de contradições num exercício depurado que nos liberta e nos convida a procurar o equilíbrio na contradição entre o processo autoral e  o ensaio reflexivo.

 

Carlos Trancoso

15 de Maio de 2016

 

(1) STEIN, Gertrude. Geography and Plays. University of Wisconsin Press, 2012.

(2) BRONOWSKI, Jacob. Arte e Conhecimento: ver, imaginar, criar. Lisboa: Edições 70, 1983.

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